segunda-feira, 6 de maio de 2013

Primeiro Início



Foi num tropeço que vi o pedaço da borda de barro (o restante estava enterrado). Depois soprei dentro da ânfora num impulso e esse foi o meu gesto mais puro: recebi o som esquecido de sopro antigo. Não é hálito de pirâmides - a ânfora soprada é livre mas guarda toda a substância que me constitui: grãos, sementes, minérios - latências de um tempo isento de maturação.

A ânfora é o não-eu. Um espaço, um risco de luz. Não é a minha redenção porque é antes disso. As coisas paradas existindo sem pulso, sem olhos: existência um instante antes da centelha.

Através da ânfora respiro o mundo pétala a pétala desdobrando-se para o espaço (e não para um eu). O espaço é a matéria primordial e é o âmago de minha ânfora.

A mim me basta a ânfora para que eu seja e o lugar desnudo, sem a obrigação de um passo que talvez desestabilizasse a imobilidade da qual preciso: raiz.

Arrisco: ânfora – e sou autóctone. Fecho os olhos: ânfora – eu poliqueto marinho; ânfora – mundo recém lavado por chuva e imediatamente flagrado pelo sol.

Ânfora: destilo-me: partícula suspensa numa claridade de templo.



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