Foi num tropeço que vi o pedaço da borda de barro (o
restante estava enterrado). Depois soprei dentro da ânfora num impulso e esse
foi o meu gesto mais puro: recebi o som esquecido de sopro antigo. Não é hálito
de pirâmides - a ânfora soprada é livre mas guarda toda a substância que me
constitui: grãos, sementes, minérios - latências de um tempo isento de
maturação.
A ânfora é o não-eu. Um espaço, um risco de luz. Não é a
minha redenção porque é antes disso. As coisas paradas existindo sem pulso, sem
olhos: existência um instante antes da centelha.
Através da ânfora respiro o mundo pétala a pétala
desdobrando-se para o espaço (e não para um eu). O espaço é a matéria
primordial e é o âmago de minha ânfora.
A mim me basta a ânfora para que eu seja e o lugar desnudo,
sem a obrigação de um passo que talvez desestabilizasse a imobilidade da qual
preciso: raiz.
Arrisco: ânfora – e sou autóctone. Fecho os olhos: ânfora –
eu poliqueto marinho; ânfora – mundo recém lavado por chuva e imediatamente
flagrado pelo sol.
Ânfora: destilo-me: partícula suspensa numa claridade de
templo.
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